Novos diretores da Coppe defendem enfrentamento da crise e construção de um futuro sustentável e sem medo

 

Desenvolvimento com sustentabilidade, reversão da desindustrialização do país, enfrentamento aos cortes orçamentários, e construção de um futuro sem medo foram destaques nos discursos de posse dos professores Romildo Toledo e Suzana Kahn Ribeiro, escolhidos pela comunidade da Coppe/UFRJ para conduzir a instituição até 2023. Associando realidade e otimismo, o novo diretor convocou a todos para uma luta conjunta em prol da Universidade e do País, arrancando aplausos e levantando a plateia que lotou o auditório da Coppe, dia 2 de agosto.

O evento foi conduzido pela reitora da UFRJ, professora Denise Pires de Carvalho, e contou com a presença na mesa do vice-reitor, professor Carlos Frederico Leão Rocha; o decano do Centro de Tecnologia, professor Walter Suemitsu; e o ex-diretor da Coppe, professor Edson Watanabe.

Em seu discurso, Romildo Toledo criticou a ameaça à continuidade dos projetos de C,T&I representada pelos sucessivos cortes orçamentários, que em sua opinião podem ser a “ponta do iceberg com o qual o país poderá colidir”. O governo federal contingenciou mais de 30 bilhões de reais do orçamento aprovado para este ano, sendo R$ 6,2 bilhões na Educação, e R$ 1,9 bilhão na Ciência, Tecnologia e Inovação. “No MCTIC esse contingenciamento representa cerca de 42% do seu orçamento inicial de R$ 5 bilhões que já é menos da metade do orçamento que foi gasto há dez anos”, destacou.

"Já está mais do que na hora do governo entender que os investimentos em C&T&I são essenciais para o desenvolvimento industrial e social do país", criticou professor Romildo

 

“É, portanto, imperioso mudar esse rumo. Já está mais do que na hora do governo entender que os investimentos em C&T&I são essenciais para o desenvolvimento industrial e social do país. Vamos derreter mitos que vêm sendo divulgados para endossar teses inverídicas em prol de intenções nada republicanas. Nos países desenvolvidos, a maior parte do dinheiro que financia a Ciência e a pesquisa na universidade não é privado, é público. Inclusive nas universidades que cobram mensalidades.  Nos EUA, 60%, de acordo com dados da National Science Foundation (NSF), e na Europa 77%, segundo estatísticas da União Europeia. No Canadá, 55% a 60% e na China, 40% a 45%”, afirmou o novo diretor da Coppe.

Segundo o diretor da Coppe, em três décadas o Brasil passou por um dos maiores processos de desindustrialização do mundo. “Esse setor, que chegou a representar 21% do nosso PIB, hoje não passa de 12%. Nos anos 80, o parque industrial brasileiro correspondia a 4,11% da indústria mundial. A China, na época, tinha uma participação de 1,65%.  Nos anos 90, a China superou o Brasil e em 2015 já respondia por 1/5 de toda a produção industrial do planeta, de acordo com estudo realizado pela Brookings Institution”, contextualizou o professor.

No entanto, ao contrário do parceiro asiático, o Brasil retrocedeu na complexificação econômica de sua economia. “Em 2014, 50% das exportações brasileiras já estavam restritas a cinco produtos: ferro, soja, açúcar, petróleo e carnes. Como ressaltou o economista sul-coreano Ha-Joon Chang em recente entrevista ao El País, ‘os países dependentes de commodities não conseguem controlar o seu destino’”, criticou o diretor.

Romildo ressaltou que as instituições de ensino e pesquisa precisam do apoio da sociedade para mudar o curso dos eventos. “Precisamos mostrar à sociedade as competências e forças que ela já possui, nas quais ela investiu nessas últimas décadas, e que são seus principais aliados para essa virada: as universidades públicas e todo o sistema de Ensino, Ciência e Tecnologia que foi construído com muito esforço em nosso País”.

“Não existe natureza grátis”

"Eu vejo nossa instituição como um importante agente na construção de um país mais desenvolvido, sustentável e menos desigual”, afirmou a professora Suzana Kahn

A professora Suzana Kahn, destacou que quando as fundações da economia tradicional foram criadas, não existia uma percepção clara dos limites dos ecossistemas. “Na era da economia de Adam Smith e David Ricardo, as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade, por exemplo, não representavam sinais de estresse. A ciência evoluiu para melhor entender as pressões humanas nos sistemas naturais e seus limites, mas a teoria econômica, mercados financeiros e até mesmo a nossa própria percepção, não acompanhou tal evolução. A de que não existe natureza grátis”.

“Nós estamos passando por um período de grande descontentamento. E como mencionou Oscar Wilde, ‘o descontentamento é o primeiro passo para o progresso de um homem ou de uma nação’. Sendo assim, acredito que a atual situação possa até ser de alguma serventia”, ponderou a vice-diretora.

Suzana enfatizou que o progresso depende da Ciência e da Tecnologia, mas ressaltou que a percepção contemporânea acerca do progresso não se restringe à mera acumulação de bens. “A percepção de progresso vem evoluindo com o tempo desde o Iluminismo, que foi uma era exuberante em termos de ideias, ligadas fundamentalmente por quatro temas: razão, ciência, humanismo e progresso. Nos dias de hoje, temos escassez de todos os nossos recursos naturais e a forma de continuarmos um desenvolvimento com maior qualidade e responsabilidade com as gerações futuras será por meio do uso eficiente dos mesmos, do reuso, da regeneração do ambiente, ou ainda da substituição dos recursos finitos. Tudo isso com a inclusão, nesse processo de desenvolvimento, de toda a sociedade e não apenas de uma parcela dela”, explicou.

Para a vice-diretora da Coppe, a ciência pode e deve direcionar as decisões políticas de médio e longo prazo, em especial no caso de estratégias de desenvolvimento “Não se questiona mais um desenvolvimento que não seja sustentável, e aí vale lembrar que a sustentabilidade vai muito além do quesito ambiental ‘stricto sensu’, trata-se também de aspectos econômicos, sociais, culturais e humanos. Eu vejo nossa instituição como um importante agente na construção de um país mais desenvolvido, sustentável e menos desigual”, afirmou Suzana.

Críticas ao Future-se

A reitora da UFRJ, professora Denise Pires, criticou o Future-se, programa recém-lançado pelo governo federal

 

Na cerimônia, todos comentaram sobre o “Future-se”, o programa recém-lançado pelo governo federal com a justificativa de “aperfeiçoar a gestão das universidades federais e lhes garantir recursos extras.”

“O programa foi apresentado sem qualquer discussão prévia com a comunidade acadêmica e, em particular, com os reitores das universidades. Além disso, o prazo para sua discussão estabelecido na consulta pública lançada pelo MEC foi extremamente curto (até meados do mês de agosto)”, criticou o professor Romildo.

Segundo o diretor da Coppe, a análise inicial do projeto traz dúvidas preocupantes quanto à autonomia universitária, garantida pelo artigo 207 da Constituição Federal. “Estranhamos ainda a ausência das nossas fundações de apoio no programa, uma vez que as mesmas têm prestado relevantes serviços às nossas instituições e de pesquisa, já que atendem cerca de 130 entidades e gerenciam mais de cinco bilhões de reais por ano em projetos de P&D&I”.

A reitora da UFRJ, professora Denise Pires de Carvalho, destacou que os três eixos do Future-se: gestão, governança e empreendedorismo; pesquisa e inovação; internacionalização; já são feitos na UFRJ há décadas e que neste sentido o programa não traz novidade. Segundo Denise, a preocupação se dá com o garrote orçamentário, que não é enfrentado pelo Future-se. “O programa não diz como haverá aumento no financiamento de curto prazo. Ele apenas prospecta a possibilidade de aumento no financiamento no longo prazo, sequer no médio prazo”, avaliou a professora.  “Nós (gestores das universidades federais do Rio de Janeiro) pedimos ao ministro da Educação que três premissas fossem garantidas pelo governo: autonomia, somos instituições de Estado e não de governo; contratação exclusiva por concurso público para desempenho de atividade-fim; garantia de financiamento público”, acrescentou.

Esperança e utopia

O auditório da Coppe estava completamente lotado para a cerimônia de posse dos professores Romildo Toledo e Suzana Kahn Ribeiro

 

O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, ressaltou que os cortes orçamentários representam um duplo desafio à Ciência brasileira. “Temos um problema duplo. O corte de verbas ameaça as universidades públicas e ameaça as pesquisas, pois o corte atinge também a Capes, o CNPq e a Finep, que são digamos o adubo para a geração futura de pesquisadores”.

“A outra ameaça é a atitude anticiência que vem percorrendo diversos escalões do governo. Isso é muito ruim. Negar números, negar evidências. Isso precisa ser corrigido com urgência. O País precisa ter no governo pessoas que criem políticas públicas baseadas em evidências científicas”, acrescentou Davidovich.

Segundo professor Davidovich, o Brasil precisa olhar a experiência internacional. “As grandes empresas americanas pressionam o Congresso para dar dinheiro público e financiar pesquisa básica e aplicada, de forma que as empresas se concentrem nos produtos, o que é menos arriscado. Isso mostra inteligência”, destacou o presidente da ABC, que disse ser, a exemplo do decano do Centro de Tecnologia, professor Walter Suemitsu, um realista esperançoso. “Cabe lembrar que o substantivo esperança não vem do verbo esperar e sim de esperançar, que significa agir, atuar, militar para que se alcance aquilo que deseja. Inclui a ideia de ação no sentido de construir o futuro”, complementou.

Para o professor Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), as universidades e as instituições de pesquisa têm de fazer um trabalho de comunicação mais adequado para a população que merece e tem o direito de saber o que é feito nas instituições públicas. “Isso não significa que a gente não reconheça que há falhas em todo o processo. Isso é natural, mas o fundamental é destacar a importância que a universidade tem e é isso que está em causa: a importância das instituições públicas e da pesquisa no Brasil. Não abrimos mão de colocar isso claramente e reivindicar verbas para que o governo agora possa colocar no orçamento desse ano e para o ano que vem”, reforçou Ildeu.

Professor Romildo concordou que as universidades e institutos de pesquisas enfrentam tempos difíceis, mas convidou o público presente a enfrenta-los sem medo. “Como homens desses tempos, não podemos fugir deles. Muitos dizem que sou sonhador. É que na minha vida aprendi que para realizar é preciso antes sonhar, ter sob a mira utopias. Cabe a nós enfrentarmos os desafios e construir um futuro sem medo. Peço, então, emprestadas as palavras de Eduardo Galeano para definir utopia: ‘ela está no horizonte. E se está no horizonte, nunca vamos alcançá-la. Porque se caminho dez passos, a utopia vai se distanciar dez passos, e se caminho vinte passos, a utopia vai se colocar vinte passos mais além. Ou seja, sei que jamais vou alcançá-la. Então para que serve? Para isso, para caminhar’”.

 

Publicado em - 07/08/2019 -  Coppe/UFRJ